Crítica: Eu, Daniel Blake (2016)


Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes 2016, Eu, Daniel Blake, é o mais novo longa-metragem do cineasta britânico Ken Loach. Mesmo sem ter conferido os trabalhos anteriores, eu conhecia a fama do diretor. Loach é notório por abordar temas sociais e apresentar uma Inglaterra miserável, muito diferente daquela que nós, sul-americanos, estamos acostumados a ver. Nesse filme, percebemos com clareza essas características.  

Após sofrer um ataque cardíaco, o carpinteiro Daniel Blake (Dave Johns) é afastado do trabalho pelos médicos. Desempregado, busca os benefícios concedidos pelo governo britânico a todos que estão nessa situação. Acontece que ele não consegue ter acesso ao serviço, devido a exagerada burocracia governamental e os diversos procedimentos digitais exigidos. Certo dia, enquanto tenta resolver os problemas, Daniel conhece Katie (Hayley Squires), mãe solteira de duas crianças e recém chegada na cidade. A moça tem dificuldades financeiras e aceita ajuda do velho carpinteiro.

O roteirista Paul Laverty, grande parceiro de Loach, consegue com 97 minutos construir uma linda e consistente história de amizade. E isso é o que mais impressiona em Eu, Daniel Blake: a realidade e as relações dos personagens. O drama se desenvolve sem qualquer glamour ou apelação barata. Além disso, as ótimas atuações de Dave e Hayley sustentam a narrativa, dando fidelidade ao texto. 

Daniel Blake é um personagem fascinante. Viúvo, mas ainda completamente apaixonado por sua falecida esposa, ele começa a nutrir um sentimento paternal por Katie. Quando os dois personagens estão juntos, promovem cenas apaixonantes e cheias de afeto. 

Também gosto de como o diretor retrata o analfabetismo digital do carpinteiro. Em determinado momento do filme ele comenta que pode consertar tudo, exceto, diz em baixo tom, computadores. Essa condição de Daniel é similarmente explorada na relação com o vizinho China, um jovem negro que compra tênis chineses para vender no bairro. Quando o jovem conversa com um chinês, por meio de uma chamada de vídeo, Blake goza dizendo que o rapaz deve estar em algum lugar ali perto. 

A montagem e a edição empregadas pelo diretor são excepcionais. Os diálogos fluem normalmente e as personagens respiram para que só depois seja feito o corte. Em uma maravilhosa cena (Katie e Daniel buscando doações e alimentos), Loach ao invés de utilizar um corte convencional, prefere escurecer o quadro lentamente, respeitando aquele momento dos personagens, respeitando também excelentes atuações. Esse recurso será utilizado uma segunda vez, durante outra cena memorável. 

O diretor de fotografia Robbie Ryan, que trabalhou em American Honey e Slow West, usufrui de filtros naturais para compor imagens pálidas e frias. Ele conduz a câmera longe dos atores nas externas e aproxima ela nas cenas internas, capturando minucias das expressões faciais e corporais deles. É um trabalho contido, mas bem feito.

Aos 80 anos, Ken Loach apresenta uma sanidade invejável. Merecedor de todos os prêmios que vem conquistando, Eu, Daniel Blake é um trabalho visivelmente pessoal. Parece que o diretor expôs algumas críticas e posições muito particulares nesse trabalho, empreitada delicada, mas o cara deu jeito. Por fim, o tema abordado majoritariamente no filme é a falta de humanidade na gestão pública, infelizmente, uma pauta de assimilação mundial. Aqui, a maior miséria mostrada por Loach é a humana.  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Em frente, à vastidão

No que toca I Walked With a Zombie (1943) e Tabu (1931)

Gritos na trilha sonora